“El dia sin cotxes”.
...Ou “la Sociedad Peatonal”...
...Aproveitando o dia
sem carro.
UMA PROPOSTA DE VALORIZAÇÃO AO SER HUMANO
Estamos pretendendo com esse trabalho, dar início a
uma mudança conceitual, no tratamento urbano dispensado ao ser humano. Vem
ocorrendo, de forma cada vez mais acentuada, tendo como escala, referência e
preferência o automóvel, sobre o ser humano nas cidades.
Cidades vêm existindo, há algo
como uns 7 mil anos (Istambul - Constantinopla) cosmopolitas como Cádiz (3.500
anos) e modernas como New York, século XVII, mas neste último século, é que
começou aquilo que chamo da era do petróleo: - Combustível fóssil, que
movimentou a indústria do século, substituindo as máquinas a vapor e dando nova
dinâmica ao setor dos transportes. Vieram aviões, navios, trens e automóveis,
utilizando-se deste novo combustível.
Os transportes
públicos, como alternativa ao caminhar, passaram a ser encarados como
prioridades aos governos, que juntamente com saúde, educação e ações militares,
responderam em todos os sistemas de governo no início do século XX, pela maior
fatia dos investimentos.
As sociedades
urbanas foram extremamente incrementadas neste último século, graças ao advento
do automóvel ou “carro”. Este, comandado pelo capital privado e alimentado pelo
sonho de consumo provocado através deste novo ícone social, passou a ser escala
e referência na questão do dimensionamento macro-urbano.
As estruturas
públicas urbanas tiveram que acompanhar ao rápido desenvolvimento que esta
parceria industria automobilística/desejo de consumo foi capaz de produzir, com
a melhoria e construção de eficientes redes e sistemas de transporte de massa
(metrôs, ônibus, trens urbanos, táxis, funiculares, etc.).
Temos que ter
em conta, que o ser humano, anda, caminha, já o automóvel, desloca-se. Caminhar
ou andar é uma forma particular ao ser humano. As velhas cidades, onde os
homens inicialmente apenas caminhavam, foram gradativamente, recebendo
estruturas de transporte, os veículos, as vias de transporte, o “underground”,
os canais de navegação, etc, e a visão foi migrando da escala do andar e
caminhar para o deslocar-se.
Isso tem um
efeito muito maior do que o próprio fato em si, pois planejamento urbano,
passou a ser visto, de uma forma resumida e simplista, como planejamento viário
e conseqüente idealização de um plano diretor de uso do solo, definindo-se
atividades, coeficientes de ocupação, etc, tendo como escala o automóvel, e não
o ser humano.
Evidentemente,
que em países com economias fortes, as diferenças nesta relação, são muito bem
compensadas. Em cidades como Londres, hoje existe uma área (congestion
charging zone), que o usuário de veículo particular, tem que pagar uma
taxa, uma espécie de pedágio, diário, para circular, além de a cidade ser
servida por uma rede ampla de linhas de metrô e ônibus. Em outras, como
Barcelona, o sistema de transportes público, é totalmente integrado, sendo
possível com uma mesma tarifa, utilizar-se de trens de cercanias da RENF, Metro
de Barcelona, Ferrocarrils de la Generalitat de Catalunya e os ônibus da TMB.
As cidades,
onde existem governos atentos às necessidades de seus munícipes, estão, cada
vez mais, investindo na melhoria da qualidade dos transportes públicos e na
melhoria dos equipamentos urbanos, para que o cidadão possa andar, caminhar
pela cidade.
Aliás,
cidadania, que dentre outras tantas coisas como direitos, respeito, saúde,
etc., tem em verdade a origem no cidadão. Cidadania é a qualidade máxima do
cidadão.
Somos um país,
emergente no cenário mundial, jovem no contexto, mas com problemas
econômico-sociais crônicos, temos um caminho muito grande a seguir, para
atingirmos a qualidade de vida desejável em nossas cidades.
Tentarei ser
claro e exemplificar ao máximo, as propostas que apresentarei, dentro deste
trabalho, no sentido de conscientizar aos cidadãos, de que devemo-nos colocar,
sempre em privilégio e não aceitarmos que os investimentos feitos pelo poder
público, a nível urbano sejam determinantemente na escala do automóvel.
A escala de
prioridades, dentro desta linha de pensamento é a que pretende sempre priorizar
a alternativa andar, caminhar, seguida pelo deslocamento por qualquer outra
forma, seja ela o ônibus, o táxi ou o veículo particular (bicicleta, scooter,
moto ou automóvel).
Note, que no
caso do veículo particular, estamos transferindo ao usuário, como opção, os
investimentos de aquisição, manutenção, licenciamentos e taxas. Fica também o
ônus do espaço físico e da poluição (atmosférica quando da emissão de gases
oriundos da combustão, sonora devido aos motores, freadas, buzinadas, etc. e
outras) gerada pelo veículo, dividido a responsabilidade entre o estado e o
cidadão.
Barcelona é
uma cidade muito peculiar. Tem hoje, algo como 900 mil veículos particulares,
licenciados, sendo 650 mil carros e utilitários e 250 mil motos/scooters, além
de uma frota pública de 3500 ônibus e 9 linhas de metrô, para atender a uma
população de 1,7 milhões, distribuída em 98 Km2 de área. Estima-se que 500 mil
veículos circulem diariamente em média,
nos meses de maio a outubro, devido também ao incremeto pelo número de
turistas.
Em Barcelona,
existem várias associações do tipo ONG’s, de conscientização da redução do uso
do automóvel, como os “amics de la bici” (www.amicsdelabici.org)
por exemplo.
Em cidades
como Londres ou Barcelona, há no entanto, algo que as diferencia por demais de
Curitiba. Não somente a infraestrutura dos sistemas e equipamentos de transporte
público, mas sim, as calçadas das ruas. Isso mesmo, as calçadas ou passeios.
Neste momento,
Curitiba, está contraindo um financiamento do BID e banco Mundial, para as
melhorias na BR 476, antiga BR 116, no trecho Atuba/Tatuquara, com extensão de
18 Km. Trata-se de uma obra macro. Terá efeitos notáveis sobre a orientação do
crescimento da cidade, pois com a realização deste conjunto de obras, estaremos
fortalecendo a espinha dorsal que já existe e que, devido ao plano diretor
existente e ao modelo “automobilístico” de planejamento urbano que orienta os
cérebros pensantes e que auto-imolativamente, vêm assim agindo.
Este
empreendimento lembra-nos a Avenida da Independência em Santiago do Chile, que
passou a orientar e definir o surgimento de novos e grandes edifícios e
complexos residenciais e comercias, ao longo deste eixo Norte/Sul, que sucedeu
o percurso que fora ocupado pela “Carretera Panamericana”, tendo sido esta
desviada em um contorno. Mais recentemente, nos anos oitenta, veio este
contorno, a ser transformado em o que hoje é a polarização do crescimento da
cidade, na Av. Circunvalacion Américo Vespucio.
Santiago
devemos ressaltar a existência de 10 mil ônibus e 30 mil táxis, além de dispor
de duas linhas de metro, diametrais e ortogonais entre si, que respondem muito
bem pelo transporte público de massa.
De comum, em
Santiago, Madrid, Bilbao, Londres, Milão e tantas outras cidades, têm, é a
qualidade da via pública, mais do que, a qualidade do transporte público de
massa. Este, com soluções regionais, sócio-culturais, mas a via pública,
principalmente o passeio, regular, liso, com escoamento direcionado e bem
dimensionado das águas pluviais, onde possa, o “pedestre”, cidadão na sua mais
simples forma, caminhar, andar, tenha ele ou não algum tipo de limitação
(idade, deficiência física, etc.).
É um tanto
quanto hipócrita, o poder público, colocar rampas de acesso de cadeiras de
roda, nas esquinas dos passeios, quando o passeio, não permite o rolamento da
mesma.
Em Curitiba, já desde algum tempo, os
passeios, são de responsabilidade do proprietário adjacente, a execução,
conservação e manutenção são de responsabilidade do munícipe. Ao erário
público, só lhe toca a execução, conservação e manutenção da via de circulação
de veículos, de meio-fio a meio-fio, sendo que em muitos casos como em alguns
projetos de áreas comerciais no qual tive oportunidade de trabalhar, são ainda
transferidas a responsabilidade de execução e subseqüente transferência ao
município, através de termo de doação, quando a via, atinge a propriedade do
empreendedor (vias projetadas) ou a pura e simples execução e subseqüente
“aceite” por parte do município quando esta já se trata de implantação em solo
público.
A regra é “o passeio é do proprietário” e “a
rua da prefeitura”. Não existe se quer, uma responsabilidade compartida na
questão da fiscalização bilateral.
As informações
que estou colocando, não estão sendo muito claras? Vejamos de forma sintética o
que dissemos até agora:
1º pretendemos
dar início a uma mudança conceitual, no tratamento dispensado ao ser humano -
cidadão.
2º neste
último século, o “carro” converteu-se em ícone social, e passou a ser escala e
referência na questão do dimensionamento macro-urbano.
3º Cidadania
é a qualidade máxima do cidadão.
O que temos
verificado como uma tendência em países com maior índice de desenvolvimento
econômico que o Brasil, neste momento, são grandes discussões sobre esse mesmo
modelo. Paralelamente a isso, houve em 2002, um encontro de entidades
governamentais, de um cento de países, que reiteraram os protocolos de intenção
firmados na Rio/92, além de uma reavaliação das condições ambientais do
planeta, em Joanesburg África do Sul e a conclusão é que houve muita
hipocrisia, que nada foi feito, ou melhor, muito pouco foi feito nessa década.
A avaliação aponta o “carro” como o pior de todos os vilões da poluição e
destruição das camadas de ozônio, que nos protegem de raios ultra-violetas.
Disparadamente, mais nocivo que todas as indústrias, que todas as centrais
nucleares, etc.. Claro, que associado ao carro, estão os demais meios de
deslocamento (aviões, trens, navios, etc.).
A discussão,
passa pela questão ambiental e social. Na realidade, a questão central é o
cidadão. A calçada é que é por onde ele (ou eu/nós), cidadãos, privilegiamos
nosso caminhar.
As soluções de
políticas de transporte público, equipamentos urbanos de transporte, cobrança
pelo tráfego e das “tarifas” dos diferentes meios de transporte, passam pela
questão primeira da cidadania.
A região do congestion
charging zone Londres, passou a ser taxada, para veículos privados. O valor
da taxa é de £ 5 diária. O usuário de veículo, que adentrar a essa área
central, deverá ter previamente pago, ou, terá até o final do dia em curso,
prazo para recolher o valor devido. Passado esse prazo, torna-se uma infração
de trânsito no valor de £ 70, que em um futuro, irá se converter em £ 1.000.
A área tem
monitoramento por câmaras que atualizam e computam as entradas e saídas de
veículos e de suas respectivas situações de regularidade quanto ao trafegar
nesta área. Resultado é que com a arrecadação, esta sendo feita a substituição
do pavimento das áreas de pedestres dentro da congestion charging zone em
uma primeira fase, acompanhada de melhorias nas sinalizações e temporização dos
semáforos para atender à maior demanda de pedestres e numa segunda fase, o
benefício será direcionado a outras áreas peatonais da cidade.
Em finais de
semana, o centro de Londres, fica tomado de pessoas caminhando. Os carros
freqüentam em quantidade discreta. Durante os dias úteis, existe muito carro
circulando. A medida, não foi suficiente para afugentar o inglês, que não vê
maiores problemas em pagar a tarifa uma vez que paga mais umas £ 20, para
estacionar o carro na cidade, mas acaba gerando uma grande receita para
promover a melhoria para quem anda pela cidade.
O padrão das
calçadas ou passeios, nas grandes cidades européias, é a pavimentação com
materiais pétreos, betuminosos ou cimentícios, mas sempre muito bem
desempenados, liso e bem assentado ao piso, assim o andar é muito favorecido.
Idosos, crianças, portadores de alguma dificuldade motora, senhoras de
salto-alto, cadeiras de roda, enfim, todo andar ou deslocar, feito sobre os
passeios, é muito suave.
Fumar ou não
fumar, hoje, tem um conceito muito menor, muito embora, também nocivos à saúde,
do que o usar ou não o automóvel. Este sim, afeta a qualidade de vida da
cidade. Este sim é um mal social.
Pense bem,
deixe o carro para sempre. Se for realmente impossível, “hombre!” racionalize o
uso, com caronas e intermodalidade viárias possíveis. Troque de carro a cada
década apenas e procure sempre usar combustíveis não poluentes e renováveis.
Sociedad peatonal – Dever de quem
pensa uma cidade. Ao enxergarmos uma cidade desta maneira, estamos humanizando-a.
Deixando que ela tenha vida própria e que não cresça de forma híbrida, tirando
sua naturalidade. As atividades do fazer podem conviver com o morar.
As
áreas onde o adensamento fosse maior (centro da cidade), o veículo particular,
seria desestimulado na mediada do possível, até a restrição total do uso visto
que ali há uma grande concentração de gente. Haveria zonas de uso do veículo,
com alguma taxação relativa à circulação tipo a que ocorre na congestion
charging zone em Londres e que no caso específico de Curitiba, já existe
até uma área delimitada e criada através de um decreto lei, chamada de Zona
Central de Tráfego. Bastaria, uma lei complementar, fixando os valores e a
forma de cobrar esta taxa. Mais externo à essa área, haveria uma área menos adensada,
com circulação isenta dessas taxas.
Este valor
arrecadado seria utilizado para melhorias dos equipamentos urbanos, para
pedestres, desde substituição do pavimento das calçadas, implementação dos
semáforos para pedestres, sinalização complementar, etc., numa primeira etapa,
na área da zona de arrecadação e na área mais central ou área com circulação
proibida e numa etapa complementar, nas demais áreas da cidade.
Os sistemas de transporte de massa (sejam públicos
ou empresas privadas), deveriam ser igualmente incrementados, na medida da
implantação das melhorias para os pedestres. Esses, não somente na área de
taxação da ZCT, mas ao longo de todas as linhas, principalmente nos bairros.
Isso fomentaria a utilização dos coletivos quando da vinda ao centro por parte
da população destes bairros, ao invés de utilizarem-se do veículo particular.
Haveria dois bons motivos para a opção ser esta.
Primeiro: não ter que pagar o pedágio para vir ao centro e segundo: contar com
meios eficientes de transporte de massa e infraestrutura de vias para pedestres
em boas condições.
Equipamentos e
mobiliário urbano, tais como lixeiras, bancos, bebedouros, pontos de ônibus,
pontos de táxi, luminárias, arborização e paisagismo, etc., complementariam as
melhorias necessárias à humanização da cidade.
A ONG Catalán de Barcelona “Amics de la Bici”,
fundada em 1981 e que objetiva a difusão do uso da bicicleta de forma segura e
ambientalmente correta para o transporte individual das cidades, além é claro
do salutar o andar a pé consorciado ao binômio bicicleta – transporte público.
São precursores no movimento Diada sin Cotxes en
Barcelona, ocorrido nos anos oitenta ainda, em datas oportunas então,
unificados como dia europeu sem carro em 1997, tendo sido então a partir deste
ano, adotado o 22 de setembro para a data comemorativa.
Nossa maravilhosa capital social está nessa pela
segunda vez. Tem então é que passar a agir com olhos abertos ao que está
acontecendo. É o povo, o cidadão, o pedestre que precisa, não o automóvel.
Sou pedestre e quero respeito.
Cabe-nos ainda render uma homenagem a dois personagens da
cidade, pela luta pela melhor condição do pedestre, que são o “oil-man” e o
“urbenauta”.
Curitiba, 22
de setembro de 2003.