Observador Urbano

Pretendemos extender o conceito.

Observar e relatar.

É isto que trata o documento-proposta.
Falo ou falemos todos em primeira pessoa. Se a visao for de "um coletivo" quero dizer se estivermos vendo o bem comum melhor, mas falemos sempre por nós mesmos ou ainda "por mim mesmo".

grato,

rg

martes, 24 de septiembre de 2013



Assim, com este manifesto, de forma um tanto quanto incipiente e até mesmo ingênua, começou há 10 anos atrás a Sociedad Peatonal. 

O texto abaixo, é um e-mail enviado aos que logo mais, fundamos essa entidade/conceito, para defender os direitos dos cidadaos, que se locomovem a pé pelas cidades...

  

“El dia sin cotxes”.
...Ou “la Sociedad Peatonal”...

...Aproveitando o dia sem carro.

UMA PROPOSTA DE VALORIZAÇÃO AO SER HUMANO



Estamos pretendendo com esse trabalho, dar início a uma mudança conceitual, no tratamento urbano dispensado ao ser humano. Vem ocorrendo, de forma cada vez mais acentuada, tendo como escala, referência e preferência o automóvel, sobre o ser humano nas cidades.
Cidades vêm existindo, há algo como uns 7 mil anos (Istambul - Constantinopla) cosmopolitas como Cádiz (3.500 anos) e modernas como New York, século XVII, mas neste último século, é que começou aquilo que chamo da era do petróleo: - Combustível fóssil, que movimentou a indústria do século, substituindo as máquinas a vapor e dando nova dinâmica ao setor dos transportes. Vieram aviões, navios, trens e automóveis, utilizando-se deste novo combustível.
Os transportes públicos, como alternativa ao caminhar, passaram a ser encarados como prioridades aos governos, que juntamente com saúde, educação e ações militares, responderam em todos os sistemas de governo no início do século XX, pela maior fatia dos investimentos.
As sociedades urbanas foram extremamente incrementadas neste último século, graças ao advento do automóvel ou “carro”. Este, comandado pelo capital privado e alimentado pelo sonho de consumo provocado através deste novo ícone social, passou a ser escala e referência na questão do dimensionamento macro-urbano.
As estruturas públicas urbanas tiveram que acompanhar ao rápido desenvolvimento que esta parceria industria automobilística/desejo de consumo foi capaz de produzir, com a melhoria e construção de eficientes redes e sistemas de transporte de massa (metrôs, ônibus, trens urbanos, táxis, funiculares, etc.).
Temos que ter em conta, que o ser humano, anda, caminha, já o automóvel, desloca-se. Caminhar ou andar é uma forma particular ao ser humano. As velhas cidades, onde os homens inicialmente apenas caminhavam, foram gradativamente, recebendo estruturas de transporte, os veículos, as vias de transporte, o “underground”, os canais de navegação, etc, e a visão foi migrando da escala do andar e caminhar para o deslocar-se.
Isso tem um efeito muito maior do que o próprio fato em si, pois planejamento urbano, passou a ser visto, de uma forma resumida e simplista, como planejamento viário e conseqüente idealização de um plano diretor de uso do solo, definindo-se atividades, coeficientes de ocupação, etc, tendo como escala o automóvel, e não o ser humano.
Evidentemente, que em países com economias fortes, as diferenças nesta relação, são muito bem compensadas. Em cidades como Londres, hoje existe uma área (congestion charging zone), que o usuário de veículo particular, tem que pagar uma taxa, uma espécie de pedágio, diário, para circular, além de a cidade ser servida por uma rede ampla de linhas de metrô e ônibus. Em outras, como Barcelona, o sistema de transportes público, é totalmente integrado, sendo possível com uma mesma tarifa, utilizar-se de trens de cercanias da RENF, Metro de Barcelona, Ferrocarrils de la Generalitat de Catalunya e os ônibus da TMB.
As cidades, onde existem governos atentos às necessidades de seus munícipes, estão, cada vez mais, investindo na melhoria da qualidade dos transportes públicos e na melhoria dos equipamentos urbanos, para que o cidadão possa andar, caminhar pela cidade.
Aliás, cidadania, que dentre outras tantas coisas como direitos, respeito, saúde, etc., tem em verdade a origem no cidadão. Cidadania é a qualidade máxima do cidadão.
Somos um país, emergente no cenário mundial, jovem no contexto, mas com problemas econômico-sociais crônicos, temos um caminho muito grande a seguir, para atingirmos a qualidade de vida desejável em nossas cidades.
Tentarei ser claro e exemplificar ao máximo, as propostas que apresentarei, dentro deste trabalho, no sentido de conscientizar aos cidadãos, de que devemo-nos colocar, sempre em privilégio e não aceitarmos que os investimentos feitos pelo poder público, a nível urbano sejam determinantemente na escala do automóvel.
A escala de prioridades, dentro desta linha de pensamento é a que pretende sempre priorizar a alternativa andar, caminhar, seguida pelo deslocamento por qualquer outra forma, seja ela o ônibus, o táxi ou o veículo particular (bicicleta, scooter, moto ou automóvel).
Note, que no caso do veículo particular, estamos transferindo ao usuário, como opção, os investimentos de aquisição, manutenção, licenciamentos e taxas. Fica também o ônus do espaço físico e da poluição (atmosférica quando da emissão de gases oriundos da combustão, sonora devido aos motores, freadas, buzinadas, etc. e outras) gerada pelo veículo, dividido a responsabilidade entre o estado e o cidadão.
Barcelona é uma cidade muito peculiar. Tem hoje, algo como 900 mil veículos particulares, licenciados, sendo 650 mil carros e utilitários e 250 mil motos/scooters, além de uma frota pública de 3500 ônibus e 9 linhas de metrô, para atender a uma população de 1,7 milhões, distribuída em 98 Km2 de área. Estima-se que 500 mil veículos circulem diariamente  em média, nos meses de maio a outubro, devido também ao incremeto pelo número de turistas.
Em Barcelona, existem várias associações do tipo ONG’s, de conscientização da redução do uso do automóvel, como os “amics de la bici” (www.amicsdelabici.org) por exemplo.
Em cidades como Londres ou Barcelona, há no entanto, algo que as diferencia por demais de Curitiba. Não somente a infraestrutura dos sistemas e equipamentos de transporte público, mas sim, as calçadas das ruas. Isso mesmo, as calçadas ou passeios.
Neste momento, Curitiba, está contraindo um financiamento do BID e banco Mundial, para as melhorias na BR 476, antiga BR 116, no trecho Atuba/Tatuquara, com extensão de 18 Km. Trata-se de uma obra macro. Terá efeitos notáveis sobre a orientação do crescimento da cidade, pois com a realização deste conjunto de obras, estaremos fortalecendo a espinha dorsal que já existe e que, devido ao plano diretor existente e ao modelo “automobilístico” de planejamento urbano que orienta os cérebros pensantes e que auto-imolativamente, vêm assim agindo.
Este empreendimento lembra-nos a Avenida da Independência em Santiago do Chile, que passou a orientar e definir o surgimento de novos e grandes edifícios e complexos residenciais e comercias, ao longo deste eixo Norte/Sul, que sucedeu o percurso que fora ocupado pela “Carretera Panamericana”, tendo sido esta desviada em um contorno. Mais recentemente, nos anos oitenta, veio este contorno, a ser transformado em o que hoje é a polarização do crescimento da cidade, na Av. Circunvalacion Américo Vespucio.
Santiago devemos ressaltar a existência de 10 mil ônibus e 30 mil táxis, além de dispor de duas linhas de metro, diametrais e ortogonais entre si, que respondem muito bem pelo transporte público de massa.
De comum, em Santiago, Madrid, Bilbao, Londres, Milão e tantas outras cidades, têm, é a qualidade da via pública, mais do que, a qualidade do transporte público de massa. Este, com soluções regionais, sócio-culturais, mas a via pública, principalmente o passeio, regular, liso, com escoamento direcionado e bem dimensionado das águas pluviais, onde possa, o “pedestre”, cidadão na sua mais simples forma, caminhar, andar, tenha ele ou não algum tipo de limitação (idade, deficiência física, etc.).
É um tanto quanto hipócrita, o poder público, colocar rampas de acesso de cadeiras de roda, nas esquinas dos passeios, quando o passeio, não permite o rolamento da mesma.
 Em Curitiba, já desde algum tempo, os passeios, são de responsabilidade do proprietário adjacente, a execução, conservação e manutenção são de responsabilidade do munícipe. Ao erário público, só lhe toca a execução, conservação e manutenção da via de circulação de veículos, de meio-fio a meio-fio, sendo que em muitos casos como em alguns projetos de áreas comerciais no qual tive oportunidade de trabalhar, são ainda transferidas a responsabilidade de execução e subseqüente transferência ao município, através de termo de doação, quando a via, atinge a propriedade do empreendedor (vias projetadas) ou a pura e simples execução e subseqüente “aceite” por parte do município quando esta já se trata de implantação em solo público.
 A regra é “o passeio é do proprietário” e “a rua da prefeitura”. Não existe se quer, uma responsabilidade compartida na questão da fiscalização bilateral.
As informações que estou colocando, não estão sendo muito claras? Vejamos de forma sintética o que dissemos até agora:

pretendemos dar início a uma mudança conceitual, no tratamento dispensado ao ser humano - cidadão.

neste último século, o “carro” converteu-se em ícone social, e passou a ser escala e referência na questão do dimensionamento macro-urbano.

Cidadania é a qualidade máxima do cidadão.

O que temos verificado como uma tendência em países com maior índice de desenvolvimento econômico que o Brasil, neste momento, são grandes discussões sobre esse mesmo modelo. Paralelamente a isso, houve em 2002, um encontro de entidades governamentais, de um cento de países, que reiteraram os protocolos de intenção firmados na Rio/92, além de uma reavaliação das condições ambientais do planeta, em Joanesburg África do Sul e a conclusão é que houve muita hipocrisia, que nada foi feito, ou melhor, muito pouco foi feito nessa década. A avaliação aponta o “carro” como o pior de todos os vilões da poluição e destruição das camadas de ozônio, que nos protegem de raios ultra-violetas. Disparadamente, mais nocivo que todas as indústrias, que todas as centrais nucleares, etc.. Claro, que associado ao carro, estão os demais meios de deslocamento (aviões, trens, navios, etc.).
A discussão, passa pela questão ambiental e social. Na realidade, a questão central é o cidadão. A calçada é que é por onde ele (ou eu/nós), cidadãos, privilegiamos nosso caminhar.
As soluções de políticas de transporte público, equipamentos urbanos de transporte, cobrança pelo tráfego e das “tarifas” dos diferentes meios de transporte, passam pela questão primeira da cidadania.
A região do congestion charging zone Londres, passou a ser taxada, para veículos privados. O valor da taxa é de £ 5 diária. O usuário de veículo, que adentrar a essa área central, deverá ter previamente pago, ou, terá até o final do dia em curso, prazo para recolher o valor devido. Passado esse prazo, torna-se uma infração de trânsito no valor de £ 70, que em um futuro, irá se converter em £ 1.000.
A área tem monitoramento por câmaras que atualizam e computam as entradas e saídas de veículos e de suas respectivas situações de regularidade quanto ao trafegar nesta área. Resultado é que com a arrecadação, esta sendo feita a substituição do pavimento das áreas de pedestres dentro da congestion charging zone em uma primeira fase, acompanhada de melhorias nas sinalizações e temporização dos semáforos para atender à maior demanda de pedestres e numa segunda fase, o benefício será direcionado a outras áreas peatonais da cidade.
Em finais de semana, o centro de Londres, fica tomado de pessoas caminhando. Os carros freqüentam em quantidade discreta. Durante os dias úteis, existe muito carro circulando. A medida, não foi suficiente para afugentar o inglês, que não vê maiores problemas em pagar a tarifa uma vez que paga mais umas £ 20, para estacionar o carro na cidade, mas acaba gerando uma grande receita para promover a melhoria para quem anda pela cidade.
O padrão das calçadas ou passeios, nas grandes cidades européias, é a pavimentação com materiais pétreos, betuminosos ou cimentícios, mas sempre muito bem desempenados, liso e bem assentado ao piso, assim o andar é muito favorecido. Idosos, crianças, portadores de alguma dificuldade motora, senhoras de salto-alto, cadeiras de roda, enfim, todo andar ou deslocar, feito sobre os passeios, é muito suave.
Fumar ou não fumar, hoje, tem um conceito muito menor, muito embora, também nocivos à saúde, do que o usar ou não o automóvel. Este sim, afeta a qualidade de vida da cidade. Este sim é um mal social.
Pense bem, deixe o carro para sempre. Se for realmente impossível, “hombre!” racionalize o uso, com caronas e intermodalidade viárias possíveis. Troque de carro a cada década apenas e procure sempre usar combustíveis não poluentes e renováveis.
Sociedad peatonal – Dever de quem pensa uma cidade. Ao enxergarmos uma cidade desta maneira, estamos humanizando-a. Deixando que ela tenha vida própria e que não cresça de forma híbrida, tirando sua naturalidade. As atividades do fazer podem conviver com o morar.
            As áreas onde o adensamento fosse maior (centro da cidade), o veículo particular, seria desestimulado na mediada do possível, até a restrição total do uso visto que ali há uma grande concentração de gente. Haveria zonas de uso do veículo, com alguma taxação relativa à circulação tipo a que ocorre na congestion charging zone em Londres e que no caso específico de Curitiba, já existe até uma área delimitada e criada através de um decreto lei, chamada de Zona Central de Tráfego. Bastaria, uma lei complementar, fixando os valores e a forma de cobrar esta taxa. Mais externo à essa área, haveria uma área menos adensada, com circulação isenta dessas taxas.
Este valor arrecadado seria utilizado para melhorias dos equipamentos urbanos, para pedestres, desde substituição do pavimento das calçadas, implementação dos semáforos para pedestres, sinalização complementar, etc., numa primeira etapa, na área da zona de arrecadação e na área mais central ou área com circulação proibida e numa etapa complementar, nas demais áreas da cidade.
Os sistemas de transporte de massa (sejam públicos ou empresas privadas), deveriam ser igualmente incrementados, na medida da implantação das melhorias para os pedestres. Esses, não somente na área de taxação da ZCT, mas ao longo de todas as linhas, principalmente nos bairros. Isso fomentaria a utilização dos coletivos quando da vinda ao centro por parte da população destes bairros, ao invés de utilizarem-se do veículo particular.
Haveria dois bons motivos para a opção ser esta. Primeiro: não ter que pagar o pedágio para vir ao centro e segundo: contar com meios eficientes de transporte de massa e infraestrutura de vias para pedestres em boas condições.
Equipamentos e mobiliário urbano, tais como lixeiras, bancos, bebedouros, pontos de ônibus, pontos de táxi, luminárias, arborização e paisagismo, etc., complementariam as melhorias necessárias à humanização da cidade.
A ONG Catalán de Barcelona “Amics de la Bici”, fundada em 1981 e que objetiva a difusão do uso da bicicleta de forma segura e ambientalmente correta para o transporte individual das cidades, além é claro do salutar o andar a pé consorciado ao binômio bicicleta – transporte público.
São precursores no movimento Diada sin Cotxes en Barcelona, ocorrido nos anos oitenta ainda, em datas oportunas então, unificados como dia europeu sem carro em 1997, tendo sido então a partir deste ano, adotado o 22 de setembro para a data comemorativa.
Nossa maravilhosa capital social está nessa pela segunda vez. Tem então é que passar a agir com olhos abertos ao que está acontecendo. É o povo, o cidadão, o pedestre que precisa, não o automóvel.
Sou pedestre e quero respeito.
            Cabe-nos ainda render uma homenagem a dois personagens da cidade, pela luta pela melhor condição do pedestre, que são o “oil-man” e o “urbenauta”.


Curitiba, 22 de setembro de 2003.